terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Sócrates vota Não ao referendo


Era uma das questões políticas do início do ano: Sócrates convocaria ou não um referendo ao novo Tratado de Lisboa? Era uma decisão difícil, sem dúvida, qualquer que ela fosse iria levantar polémica internamente ou mesmo externamente. Se realizasse o referendo Sócrates apenas o faria por um pingo de pudor eleitoral. Ao quebrar esta promessa (a verdade é que na cabeça do eleitor, e com razão, o Tratado de Lisboa não passa de uma Constituição Europeia na sua segunda versão) Sócrates sabe que o tópico promessas não cumpridas será definitivamente um dos pratos fortes nas legislativas de 2009. Assim a promessa de não aumentar os impostos e a não convocação do referendo andarão nas bocas da oposição, agora mais do que nunca. Internamente realizar o referendo, em principio, não constituiria um problema de maior, os portugueses em geral olham para a Europa, como uma vez ouvi, como uma gigante máquina Multibanco que os tem alimentado ao longo dos últimos anos, desta forma o resultado no referendo português seria um previsível Sim, havendo, contudo, o risco de mais uma vez a taxa de abstenção registar um valor explosivo. Mesmo Cavaco, como já tinha dito, não se oporia a um referendo, apesar do seu crónico problema em referendar Tratados Europeus. O problema de Sócrates colocar-se-ia sobretudo no plano externo, se Portugal realizasse um referendo estaria a dar o mote para os movimentos que defendem a realização de referendos em outros países Europeus, países cujos governos não querem sequer ouvir falar deste cenário. Exemplos disto mesmo são a França e Holanda, com claros receios de que o Não volte a vencer, ou mesmo o Reino Unido, onde Gordon Brown passa um momento político especialmente delicado e que só se iria adensar se houvesse referendo num país tipicamente euro-séptico como a Grã-Bretanha. Sabia-se que Sócrates iria ser pressionado para não realizar um referendo, o sinal já havia sido dado nas declarações que um assessor de Sarkosy fez ao Expresso, quando afirmou que Sócrates seria visto como um traidor se realizasse um referendo ao novo Tratado.
Os líderes Europeus tremem só de saber que este novo Tratado de Lisboa pode não ser rectificado, sabem precisamente o pântano de indecisão e impasse que se geraria, ainda mais, na União. Mas a verdade é que foram os próprios líderes europeus que criaram toda esta situação, são eles os responsáveis por chegarmos ao momento da rectificação e os governos da Europa recearem o voto dos seus povos, esta pode parecer uma frase demagógica, mas no o é. Desde o início do processo da redacção da antiga Constituição Europeia que os burocratas de Bruxelas construíram um texto ardiloso, complexo, polémico em certos pontos, tentando criar uma nova Europa que agora está mais alargada do que nunca. Não nego que a Europa necessite de um novo Tratado, é um facto absolutamente inquestionável, a Europa dos 15 países a Ocidente é completamente diferente da Europa dos 27, com muitos dos seus membros posicionados a Leste. Mas a verdade é que a então Constituição Europeia foi feita de forma tal que os povos europeus, com alguma razão, desconfiaram dela e deixaram-na para trás. Quando se soube do Não Francês e Holandês repetiram-se os discursos de circunstância afirmando que a Europa deveria pensar e reflectir profundamente num novo texto. Pura retórica, o novo Tratado de Lisboa tem grande parte do seu conteúdo passado a papel químico da velhinha constituição Europeia, continua a ser um texto complexo, intrincado, como alguém lhe chamou uma vez perfeito para adormecer. Só que agora os líderes Europeus deixaram os escrúpulos democráticos para trás e querem aprovar o Tratado pela via parlamentar. A curto prazo esta forma de rectificação pode parecer que resolve o problema imediato dos líderes europeus em arrumar de vez o novo Tratado, mas a longo prazo a conflitual idade dentro da União poderá chegar, sobretudo quando este é um texto em que pela primeira vez hierarquiza as nações dentro da União. Mas mais do que tudo, os clichés dos líderes europeus quando afirmam que gostavam que a as suas populações estivessem mais perto das decisões europeias, não passam de palavras que vão e que vêem, e que agora são esquecidas ao não convocar referendos. Os Europeus vêem-se mais uma vez alheados de votar directamente no futuro do seu continente e das suas instituições. Passaremos a ter um poder cada vez maior do lado da União Europeia, um poder que não é compreendido ou discutido pelos próprios europeus que dela era suposto fazerem parte.

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